SINOPSE:
A filosofia de Kant, por ser crítica, pretende estabelecer limites bem definidos para o conhecimento teórico, com a finalidade de assegurar à ciência a certeza e a objetividade que só podem ser alcançadas por via de regras e procedimentos formais sistematicamente construídos. É importante perceber corretamente o significado desses limites: não se trata de restringir os horizontes humanos nem de renunciar à experiência das possibilidades de conhecer e agir. Um iluminista que se dedica ao exame da razão só pode ter como meta a expansão de seu poder por via do conhecimento aprofundado da sua natureza. Se para ampliar e aprimorar é preciso por vezes limitar e disciplinar, isso é algo que decorre de uma dialética interna à condição humana e de uma visão lúcida da finitude. Tenha-se presente, portanto, o caráter positivo dessa tarefa, inteiramente coerente com a perspectiva do progresso da humanidade no uso da razão. O “ponto de vista pragmático” que Kant adota na sua Antropologia deriva desse humanismo progressista: a cultura e a educação do gênero humano só fazem sentido se servirem ao aprimoramento de cada homem, e este é o significado profundo da vinculação do saber antropológico ao mundo humano. Não se trata de utilitarismo e sim de uma concepção profunda de que o homem é, para si mesmo, finalidade e não instrumento. É isso que constitui a autenticidade de um conhecimento “pragmático”, que confere ao homem a prerrogativa de conhecer e dominar o mundo para servir aos fins humanos. Por isso o conhecimento das condições em que o homem elabora a sua própria existência não deve ser a mera descrição de mecanismos e habilidades inatos ou adquiridos, mas a avaliação do proveito que a espécie pode tirar daí para o aprimoramento de si mesma. A antropologia deve ser pragmática porque ela é inseparável do interesse do homem por si próprio e do compromisso que deve manter consigo mesmo. É este o motivo pelo qual esse conhecimento não pode ser apenas teórico, isto é, não deve sujeitar-se aos limites da estrita objetividade, não porque desdenhe o rigor, mas porque o que está em jogo nesse caso justifica e mesmo exige um mais amplo descortino. A espécie de rigor que aí deve ser praticado conjuga-se com a ousadia de um desvelamento profundo na prática da observação. Hábitos contraídos e atitudes convencionadas devem ser superados quando o homem deseja verdadeiramente “estudar a si mesmo”. Dados de ordem científica devem ser justapostos às imagens construídas na literatura e nas artes, consideradas como fonte de apreensão dos caracteres humanos. Singularidades raciais e culturais devem ser comparadas, para ressaltar o sentido da diversidade. A antropologia, respeitando os limites da crítica do conhecimento, ao mesmo tempo se abre à totalidade.
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