Livro: "Apoteose De Dermeval Carmo-santo"

Acordou lá pelas 10 horas mais ou menos, com cara desfigurada pelo sono e pelo cansaço. E quando de fato abriu os olhos e pôde ver, viu o caderno azul sobre a cama. Levou o resto do dia rearranjando os detalhes, acrescentando detalhes, aprofundando detalhes. Lá pelas 23 horas, pôs o que se pode denominar de “ponto final”, e leu e releu até à borda da madrugada. Após, quis deitar-se, sentindo-se ainda mais cansado e um tanto angustiado, mas não porque não pudesse entender de todo o texto que redigiu, ou que não recuperasse depois aquilo que não pode redigir — muito mais porque não queria dar uma pausa ao trabalho, e estava demasiadamente frustrado com o exigente tempo-do-corpo. E se perguntou — “Por que Liúna?”. Edgar detestava o tempo-do-corpo. Mas já amava escrever o nome “Liúna”. No escuro pleno do quarto, e sob o som hipnótico do ventilador, Edgar dormiu sono muito inquieto, esticando-se algumas vezes em calafrios. Topo da cabeça enregelado, o nariz entupido — respirava pela boca, e acordava de susto com seu próprio ronco ou com pequenas pausas de respiração. Perto das seis horas da manhã, o sono caiu-lhe pesadíssimo e a pausa de respiração tornou-se parada respiratória. E como não sonhava nada, seu inconsciente entretido (com este “nada”), não pôde avisar ao corpo, para que despertasse. O corpo não desperto não fora convocado para respirar. Em seguida, dormindo Edgar desmaiou. E porque seu inconsciente, entretido com este “nada” mais profundo do desmaio, não pôde avisar ao corpo desmaiado (porque corpo sincopado não recebe nem envia avisos) Edgar morreu, ou como se diz por aqui, “acordou morto”, que pena. Lina Borges, sua esposa, que dormia noutro quarto, bateu na porta…