Livro: "Bucólico Desatino"

SINOPSE:

Bucólico Desatino – Sálvio Nienkötter
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No título deste livro de contos que o leitor tem em mãos, há pelo menos duas ironias.A primeira delas diz respeito ao bucolismo. O termo remete aos poetas árcades e, consequentemente, aos valores greco-latinos de locus amoenus e aurea mediocritas, ou seja: à singeleza de uma vida feliz no campo, homogeneamente harmônica, sem excessos ou ambições desestabilizantes.A segunda, aos “desatinos” que nomeiam a segunda parte do livro, palavra que sugere a perda do juízo, o destempero e até mesmo a loucura. Desatinado é o homem que abandonou ou foi abandonado pelo bom senso e, por isso, desviou-se do comportamento razoável dos seus semelhantes. É o trânsfuga, a nota dissonante, o ébrio entre os cristais.Em Bucólico Desatino o leitor não encontrará pastores em harmonia com a natureza nem verá, no espelho dos desvarios narrados, nada além de sua própria face.O campo aqui é uma pequena colônia de agricultores alemães no interior de Santa Catarina, onde os meninos ardem de lubricidade culposa por uma galinha ou por sua própria mãe. Os adultos trabalham no campo e violam, atoleimados, a pureza cristã que professam, semeando uma violência física e moral capaz de, ao mesmo tempo, sufocar e desvelar os desejos mais obscuros. De tal forma que a família, o trabalho e a pequena comunidade rural destilam um sofrimento de Tântalo: não há como se libertarem do peso infame que carregam.O possível desvio dos “desatinos” reverbera, a cada conto, essa esquiva forma de lucidez a que só chegamos pelos descaminhos do corpo – quando deixamos de lado a cangalha racional imposta por um mundo sufocado por trágicas consubstanciações do materialismo e do medo do outro.Eu disse que havia aqui pelo menos duas ironias. A terceira talvez recaia sobre o paganismo sugerido pelo título. Ele pode estar em contraste com o cilício que os personagens vestem e com o qual buscam o movimento livre de seus membros, aguilhoados por um único e solitário Deus.
Marcos Pamplona
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A transfiguração da memória em ficção é um dos modos que criamos para adentrarmos nas fendas abertas pelos movimentos de queda vertiginosa no abismo do tempo. Sálvio escava nas camadas ficcionais até chegar ao fundo denso onde a vida nos inventa: nós, as ficções-vida e retira destas camadas, este livro que desfaz a opacidade de memórias ao convertê-las em narrativas que lemos como quem entra dentro de sonhos que, ao serem mudados para o literário, se tornam também nossos. Não se trata apenas de memória, estamos lendo algo vivo.
Marcelo Ariel

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