Livro: "Carisma, legitimidade e dominação religiosa: Santa Dica e a Congregação Redentorista em Goiás (1923-1925)"

“Riso limpo de fortes dentes tratados a fumo e cinza, da inefável doçura daquela moça irradiava-se contudo estranha energia, inexplicável mistério. Do contrário, a esbeltez de seu porte endoidaria irremediavelmente os homens, para a quase totalidade dos quais é pecado desejá-la como fêmea, impossível, por santa, derrubá-la no caminho da fonte. Daí o suplício dos insofridos, ainda que só em pensamento acuados entre o abrasamento da carne e os interditos da fé. Pois eis uma coisa que alguns não alcançaram compreender direito: se feita apenas para servi-Lo, por que Deus não a despiu de tão sumarentos apelos, de tão sublimes encantos?” As palavras do literato Antônio José de Moura descrevem Benedita Cipriano Gomes, sertaneja inculta que liderou centenas e encantou milhares. De singela menina à linda mulher, de santa do povo à bruxa do Rio do Peixe, de profeta de Deus à louca, comunista e histérica. Na década de 1920, após sua suposta ressurreição, surgiu no interior de Goiás o mais importante movimento religioso de caráter messiânico do estado. “Santa Dica”, como ficou conhecida, acreditava conversar com anjos, através dos quais curava, profetizava, abençoava, batizava e até mesmo casava aqueles que a procuravam em seu reduto. Seus ritos, embora muito confundidos com práticas do espiritismo, se deram de maneira híbrida, uma vez que mesclou tanto características do catolicismo, como do próprio espiritismo. Em face do caráter não somente religioso, mas político e social do movimento, uma união informal entre Estado, Igreja Católica e coronéis locais culminou na abertura de um processo criminal, resultando em uma violenta invasão policial no reduto onde o movimento ocorria, em outubro de 1925.Por trás deste desfecho, entretanto, a ação dos missionários católicos da Congregação Redentorista chama a atenção não somente pela ação condenatória do movimento em si, mas por sua minuciosa articulação com o Estado para pôr fim às atividades da “santa”. Mais que isso, o conflito religioso aqui esboçado abre espaço para a compreensão de condicionamentos estruturais de agentes e instituições religiosas que servem de base para importantes reflexões teóricas no âmbito da Sociologia e História. A presente obra, portanto, analisa o movimento messiânico de Santa Dica, especialmente em suas relações de conflito com a Igreja Católica em Goiás, tomando por base a reflexão histórico-sociológica de elementos como o carisma, a legitimidade e a dominação religiosa. As páginas aqui contidas versam-se tanto em uma análise minuciosa das estruturas religiosas do movimento de Santa Dica e sua relação com seus opositores, quanto na maneira como as disputas locais por poder religioso podem ser encaradas histórica e sociologicamente a partir do prisma weberiano. Neste sentido, o leitor encontrará nesta obra tanto interpretações originais das fontes ainda pouco exploradas sobre o movimento de Santa Dica, como recursos para se pensar a História e Sociologia da Religião a partir de elementos teóricos estruturais como o carisma, a legitimidade e a dominação religiosa.