SINOPSE:
A vida de Chiquinha Gonzaga oferece um exemplo paradigmático de agência artística.A personalidade e o caráter transgressor da compositora contribuíram em nosso presente para o advento de novas formas de vida para a mulher. A coragem de enfrentar barreiras em princípio “intransponíveis” é um elemento de exemplo para muitas mulheres que ainda hoje vivem condições opressivas. A opção por analisar uma mulher do século XIX já traria necessariamente a importância da discussão sobre o contexto do Rio de Janeiro desta época. Soma-se a isso o fato de ser uma compositora e pianista que ultrapassou barreiras culturais existentes, não apenas através de suas obras, mas com o próprio ato de compor músicas populares, impensável à época para uma mulher. Assim, além da análise do contexto, não podemos prescindir do acompanhamento teórico no qual se torna possível chegar a uma compreensão da agência da compositora, além da pesquisa documental na qual obtive acesso a documentos e jornais da época em que Chiquinha foi atuante.Este livro, contudo, não é uma biografia. O interesse em Chiquinha Gonzaga não se deu por suas composições, ou para trazer ao público uma crítica à estrutura da época, embora tal dimensão seja importante. Parto daquilo que ela conseguiu, isto é, seus resultados. Chiquinha conseguiu ser Chiquinha Gonzaga e isso de fato é importante. Como foi possível? Como era este Rio de Janeiro que possibilitou isso, ou como ela conseguiu se integrar socialmente em outra camada social, mesmo sendo mulher? Como conseguiu transformar ou contornar a estrutura rígida patriarcal? Sua ação foi como conseguiu realizar seu projeto de vida. Chiquinha não fez parte de movimentos feministas, nem escreveu textos advogando direitos para as mulheres. Ela simplesmente se via como tão valorosa quanto qualquer outro. Pouco se tem de sua própria mão, além de suas composições. Uma entrevista foi feita a ela já no final da vida e é um dos poucos discursos dela acerca de si mesma. Depoimentos de familiares e seus críticos no geral se referem a sua pessoa e não às composições de sua autoria. Embora os jornais da época depois de sua ascensão divulgassem seu trabalho, os setores mais conservadores se calavam e isso significava parcela relevante da população dirigente, tanto na classe artística quanto na estrutura institucional da sociedade carioca. Chiquinha arcou com as consequências – e não foram poucas nem fáceis – de se dar ao luxo de “escolher”. Disso resulta que ao invés de focarmos na cultura apenas sob o aspecto religioso, ou sob o aspecto do desenvolvimento individual , nas sociedades modernas, exige-se uma compreensão mais global, ainda que específica sobre as características de determinada sociedade. Tendo isso em mente, o primeiro capítulo discorrerá sobre a biografia da Chiquinha e sobre o universo musical precedente à “chegada” de Chiquinha, no qual podemos vislumbrar a chegada da Família Real e o novo “cenário” que é montado na cidade, com novas opções culturais de lazer e sociabilidade. Em paralelo ou em complemento a isso, traço alguns aspectos do desenvolvimento da música popular que se inicia ainda em Portugal, e que tem como característica a inclusão de tipos populares no rol dos aceitos pela Monarquia.A chegada da Família Real, em especial D. João VI que era um amante da música, transformou o Rio de Janeiro não apenas em sua urbanidade, mas nas dimensões de lazer e cultura. A construção de Teatros “oficiais” e o posterior nascimento de “teatrinhos” possibilitou tanto o costume de assistir concertos musicais pela sociedade de corte, quanto a ascensão de nova classe de músicos da baixa classe média de funcionários livres. Por fim, abordarei a transição do papel da mulher, que de santa e virgem como ideal romântico às “doidas” desviantes passa ao universo realista que tem na literatura o primeiro passo para a atividade profissional da mulher. Chiquinha acreditava que o valor de sua música era o valor de si mesma.
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