Livro: "COVID-19: O que os olhos não veem"

Existe uma brutal diferença entre ter os números em mente, perceber um incômodo crescente ao se deparar com a triste realidade, chegar a um platô de indignação, e depois esquecer aos poucos o efeito desse escrutínio. Mas e se 1 em mais de 300 mil for uma senhora que se encontra sozinha em uma sala isolada sendo bombardeada de remédios e terapias intensivas? E se enxergamos seus olhos, como ela tenta se alimentar ineficientemente sozinha, seus cabelos sem cuidado ou sua fala inexistente? Tento trazer, nas próximas palavras, minha visão como ser humano e como profissional da saúde. Não sou um dos vários profissionais que já se encontram exaustos, mas sinto que posso mostrar um pouco das suas realidades. Me sinto lisonjeada de ter tempo de escrever esse relato. Espero que você, caso se esqueça do que aconteceu em cada um dos leitos desse hospital durante a pandemia, tenha um grupo de pedaços de papéis que te faça relembrar. Que te permita mostrar a outras pessoas o que vem acontecendo, o que aconteceu e que quase ninguém teve acesso. Espero que esse livro possa te impedir de trazer outra pessoa ao hospital, mesmo que indiretamente. Acredite, isso pode acontecer. Trago essa mensagem em forma de relatos. Não são histórias com começo, meio e fim. São relatos que mostram a realidade, nua e crua, exatamente como é. Trago acontecimentos que não consegui acompanhar até o final, mas também alguns que, coincidentemente, os finais vieram até mim. Mesmo assim, eles são exatamente como são: acontecimentos. Queria trazer algo real, e, às vezes, a realidade não é justa. É isso que veremos aqui: a injustiça de histórias inacabadas.