Livro: "José Veríssimo"

“Eu não preciso de um mundo moral hierárquico para minha morada, porque não desejo julgar nem condenar.” As palavras são quase tão duras e frias quanto o tipo que as imprime, enquanto os pensamentos se assemelham ao ar que as leva ao espaço. Em um país onde até mesmo os tipos mais imediatamente recompensados de esforços criativos foram produzidos sob as condições mais adversas, ele exerceu a menos recompensada das profissões literárias; em uma nação onde a oligarquia intelectual era tão pequena que todo escritor poderia ter conhecido seu colega escriba – onde a própria língua trai um elogio vazio e uma grandiloquência sem sentido, ele serviu, e serviu com admirável escrúpulo, gentileza e sabedoria, à causa da verdade e da beleza. Era a atitude favorita de José Veríssimo tratar o autor como o autor aparece em sua obra, ao invés de como ele pode ser construído a partir de sua biografia e seu meio. Alguns dos críticos nacionais se referiram a isso como se fosse um defeito; está, ao contrário, em consonância com o que há de melhor na crítica estética contemporânea e coloca-o à frente de todos os críticos que trataram das letras brasileiras. A própria crítica, onde quer que seja praticada, é totalmente estranha ao ambiente em que é produzida. Uma leitura cuidadosa das milhares de páginas que ele deixou não revela nada como uma fórmula dura e rápida para a apreciação literária. Ele era um intelectual livre, verdadeiramente, no sentido espiritual, um cidadão do mundo. Seu pensamento e sua expressão em sua melhor forma são como uma bela paisagem vista após o pôr do sol; uma espécie de crepúsculo intelectual, mais natural para quem encontrou a verdade e a virtude no meio. No entanto, há muita Verdade e Virtude nele. Ele procurou não trazer verdades eternas; seu objetivo era antes incutir o amor pela verdade do que qualquer verdade específica em si. Ele é um analista imparcial. Daí sua tolerância, sua timidez, sua sinceridade. Depois de José Veríssimo, a crítica brasileira se defrontou com novos padrões, flexíveis, é verdade, mas ainda mais exigentes. Ele não foi enganado por teorias, pois olhou para a própria criação; nem foi enganado, e pela mesma razão, por homens e mulheres. Por suas obras ele os conhecia, como por sua obra nós o conhecemos. Foi sua atitude, tanto quanto sua realização, que fez dele a glória nacional que ele se tornou. E não pouco dessa glória é dele porque sua sinceridade transcendeu as reivindicações mais restritas do nacionalismo – um nacionalismo no Brasil como em qualquer outro lugar, muitas vezes idêntico ao orgulho irrefletido, arrogância pueril e as noções de qualquer partido político que viesse a ser predominante.