Livro: "Lâmina: Conto Coleção Identidade"
SINOPSE:
“Poderia ter morrido”, pensa. O coração bate acelerado, as veias do pescoço pulsam nervosas. Ele está tão tenso que teme desfalecer, mas apenas anda de lá para cá dentro de um cubículo escuro que não tem um metro de largura ou comprimento. De fato não anda, quica. Escuta o barulho de uma porta sendo esmurrada. Vão achá-lo. Uma voz em russo berra qualquer coisa. Ele não entende quase nada de russo, mas sabe reconhecer a língua. A mulher responde em polonês, baixinho. É a língua dele, mas os sons não formam palavras, apenas murmúrio. O russo, não. É um tom grave e mesmo sem entender ele sabe o que é: estão atrás dele, viram-no entrar ali. A voz aumenta de tom. Ele não quica mais. Congelado, o único som que escuta é o do coração batendo forte demais, tum-tum tum-tum tum-tum vibrando na orelha. Ele está num quarto, lembra apenas que entrou no apartamento de andar térreo e a mulher disse se esconda ali, e ali era apenas uma cama de viúva ou um armário. Escolheu o armário. A cama é arrastada. Vai ser agora. Vão achá-lo. Mas de repente mais um berro em russo e o silêncio posterior.O silêncio é melhor que o berro, mas ainda assim não se sente seguro. Não anda mais de um lado para o outro, nem quica. Mas também não está congelado. Treme. “Poderia ter morrido”, pensa. De novo. Mas não pensou quando decidiu fugir correndo e entrar numa porta qualquer. A sorte foi que a mulher que a abriu foi rápida. E deixou-o entrar. E num átimo entendeu a situação e disse para ele se esconder. E que ele optou pelo armário e não por debaixo da cama. E que. E que. E que. Está vivo. Está livre, mesmo dentro de um armário pequeno, de madeira, cheio de roupas de uma velha. Mas agora que está vivo e livre, o que fazer? Não tem tempo de completar o pensamento, novamente passos, dessa vez o armário é aberto. Mas é a mulher. Eles já foram, ela diz, mas fique aqui dentro mais um pouco. Ele não responde. De novo o breu quase absoluto. Só agora percebe o quão escuro está ali, só uma fresta de luz entra pelo pequeno vão entre as portas que se unem para formar o armário. Não consegue divisar a mão, nem chegando a palma a centímetros do olho. A retina ainda não está acostumada. Lá fora era uma claridade absoluta de um dia de sol. Não estava quente, mas tudo parecia obscenamente azul.
(…)”
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