SINOPSE:
As considerações realizadas no presente ensaio têm como ponto de partida a ideia de que a administração pública deve ser dotada de uma razoável dose de liberdade na persecução dos seus fins e de que é sobre os resultados alcançados que devem pesar os instrumentos de controle. Quando se fala em eficiência da administração pública, está-se a falar de uma atuação ótima para o atingimento de fins, e é absolutamente impossível cobrar tal resultado quando o iter é integralmente pré-determinado pelo direito. Quem controla os meios não pode pretender controlar os fins: este é, em síntese, o grande dilema moderno do direito administrativo brasileiro. Há, por natureza, um alto grau de indeterminação da atuação administrativa, sobretudo no tocante a políticas públicas, e a efetividade destas, por incrível que pareça, depende deste caráter indeterminado. É precisamente neste espaço que se colocará o elemento criativo do administrador público na definição e implementação da utilidade pública. A criatividade administrativa se exterioriza na escolha das formas jurídicas disponíveis e a sua avaliação se dá sobretudo quanto ao atendimento dos objetivos definidos pela ordem constitucional. Os eventuais vícios de conduta do administrador público deverão ser avaliados pelos instrumentos de polícia existentes: a atuação dolosa, a obtenção de benefícios pessoais, o enriquecimento ilícito e outras figuras congêneres continuarão a ser detectáveis, aplicando-se aos responsabilizados as figuras tipificadas na legislação. O patológico deve, sim, ser punido, e com todo o rigor; nunca a busca bem-intencionada da utilidade pública. Como pano de fundo do presente ensaio, está a constatação da perda do estatuto científico de grande parte da produção acadêmica de nosso direito administrativo, consequência direta do influxo de certas correntes ideológicas. Quem pensa em termos de ideologia não faz ciência. O discurso ideológico é um discurso em segunda realidade, na expressiva terminologia de Eric Voegelin; e quem opera em segunda realidade não está descrevendo o que vê. Grande parte dos problemas concretos da Administração Pública no Brasil decorrem da incapacidade de reconhecer a realidade verdadeira, a primeira realidade. Não possui ele o tom normalmente encontrado em textos jurídicos. Escrito de forma propositadamente provocativa, nele encontra-se a inadmissível extravagância de chamar a realidade de realidade e a alucinação, de alucinação. O autor, ao escrevê-lo, cometeu o pecado mortal (para os padrões brasileiros) da sinceridade. Sob esse aspecto, o presente ensaio é um dos últimos exemplares vivos de uma espécie em extinção.Mais, o autor no presente ensaio dialoga com alguns autores, para contrapor, à posição deles, a sua, expondo a divergência com obsessiva minúcia. O leitor talvez se espante com a escolha dos interlocutores: por que esses autores, e não outros, de maior nomeada ou influência? A tal questionamento, absolutamente legítimo, respondo: porque eles são o produto mais emblemático de um modo de pensamento, dos cacoetes mentais, das bitolas ideológicas cultivados pelas faculdades de direito no Brasil. São eles a fauna surgida da decomposição intelectual de nosso direito público. Sua utilidade didática é a do anti-exemplo.
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