Livro: "Notas d’arte"

Eramos dez, e tinhamos combinado, por desfastio, ir a Cintra, na primavera, ouvir os rouxinoes. Parecerß menos inverosimil este pretexto, quando se disser que todos, entáo reunidos em Lisboa, haviamos nascido na provincia, onde as volatas dos rouxinoes dulcificaram as nossas primeiras noites de amor, e que o mais velho de nðs tinha trinta e sete annos apenas. Ainda assim, como prova involuntaria de que o melhor da nossa vida era jß entáo o passado, náo foi approvado o projecto sem uma correcåáo prosaica. Sim, iriamos ouvir os rouxinoes a Cintra, visto que elles náo costumavam fazer-se ouvir nas ruas de Lisboa, mas temperariamos esse devaneio romantico com as queijadas da Sapa, as laranjas do visconde da Arriaga, e o Collares do conselheiro Francisco Costa.{6} Como o mais novo de todos era o Gonåallinho Jervis, em cujo espirito bailavam ainda pagens e castellás n’uma chorea medieval, e em cujo coraåáo ardiam fogos de poetico platonismo, mettemol-o ß galhofa convidando-o a procurar na serra de Cintra um cabello da barba que Bernardim Ribeiro haveria arrepellado ao vèr partir a frota com a infanta D. Beatriz. Para falar verdade, nenhum de nðs tinha grande confianåa na realisaåáo de táo extravagante projecto, mas sobejou-nos motivo para o applaudir, porque durante mais de dois mezes nos forneceu alegrissimo assumpto sempre que nos juntavamos todos ou pelo menos alguns