Livro: "O Despertar do Decano da Noite"

SINOPSE:

Em o “O despertar do Decano da Noite”, de Denis Faria, a experiência do leitor é atravessada por uma série de expedientes, os quais vão se abaulando até constituírem e forjarem a cidade do eu poético, isto é: uma Ítaca de Ilusões. Esta Ítaca, marcadamente cosmopolita, não só recupera um renomado episódio clássico, de onde o herói grego partiria para a Guerra de Troia, como também converte qualquer possibilidade de diálogo entre o clássico e o contemporâneo em um amontoado de incompreensões. As palavras, aqui, funcionam como embreagens enunciativas, que são sempre a impossibilidade de definição e estabilidade do enunciado.
A contrapelo de Ulisses, o herói grego, o Decano da noite, protagonista do tecido poético, não é outra coisa senão a representação de um sujeito refém de um conglomerado que se autoconsome, escarnece e ludibria. De toda sorte, vale a ressalva: muitas questões são comuns àquelas que estão em andamento na referência clássica, pois, como na Ítaca grega, o poeta recupera as imagens da guerra, e por “guerra” pode o leitor ir além das correspondências estritamente vinculadas às questões de ordem bélica, fazendo nascer uma hermenêutica que delimita a “guerra” e a compreende como a luta diária, travada desde o despertar do Decano, às tentativas de “destruir velhas invisíveis algemas”, lutando, assim, “[…] para criar novos horizontes”. Como no poema do grego Kaváfis: “[…] Quando partires em viagem para Ítaca/ faz votos para que seja longo o caminho,/ pleno de aventuras, pleno de conhecimentos”, “O despertar do Decano da Noite”, apresenta a relação palpitante, radical e implacável que o eu poético precisa estabelecer com as paisagens urbanas: sejam elas linguísticas, sociais e/ou culturais.
O poeta percorre uma formalidade centrípeta, cuja poética autoafirma-se dilacerante: do encanto ao desencantamento, nota-se um gesto de retorno àquilo que é essencialmente humano e que, em determinadas situações, acaba se perdendo em virtude da implacabilidade do tempo, do espaço e das relações. O eu poético revelado, portanto, entra em conflito com o que é humano, especialmente quando afirma: “Deixei de vagar/[…] Deixei de ser um corpo oco ecoando […]”, abandonando não só o “[…] desejo de pertencimento em rebanho, como também “[…] uma efêmera diversão” – cujas intenções cooperam para o dilaceramento do eu.
Por um lado, o gesto de consciência, aqui interpelado, evidencia a busca pela insubmissão e consequente instauração de “novos horizontes”. Por outro, demonstra uma relevante incongruência, uma equação impossível de ser solucionada: “É difícil acordar/ Quando infinita/ A noite”. Porém, como diria o próprio Kaváfis: “Embora a encontres pobre, Ítaca não te enganou./ Sábio assim como te tornaste, com tanta experiência,/ já deves ter compreendido o que significam as Ítacas”.É neste espaço, portanto, que transita o Decano, com o coração palpitante e num constante mergulho: profundo, radical e implacável
Debora Duarte dos Santos

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