Livro: "O guardião de nomes"

“Contar uma história, que talvez seja a do Brasil, ou a da literatura brasileira, através de seus nomes, é uma ideia de dar inveja. Fiquei assombrado com a potência da prosa.”— Marco Lucchesi
“O romance é estupendo.” — Ana Maria Haddad
“Por fim, o esforço fora recompensado: no menor aglomerado de casas, no mais afastado rincão de terra, nas bordas bárbaras da menos importante das províncias, nascera o maior bebê do mundo, alto e forte como uma criança de sete anos completos, os olhos muito abertos, o apetite imenso e choro potente que explicava o calvário materno. Milagre.
Naquele dia, antigos desafetos se abraçaram, ávaros comerciantes distribuíram brinquedos, charutos e alimentos, queimaram-se fogos de artifício, cozinhou-se um banquete numa explosão de felicidade tão autêntica que o pároco julgaria pagã se não estivesse igualmente maravilhado. Esquálidos cachorros de rua conheceram a dor no estômago pelo excesso de comida e garimpeiros aposentados perderam o sono, inebriados por renovada esperança de riqueza a escorrer pelos dedos, sentindo uma vez mais o formigamento que trouxera as primeiras casas para o povoamento. Informes sobre o estado da enorme criança eram repassados de boca em boca em velocidade incrível, as avós tratadas como celebridades por conta do livre acesso ao berço, oferecendo detalhes que teimavam em ser ampliados, nos raros ouvidos pouco interessados chegando notícias de um bebê com a força de dez homens que nascera desafiando os adultos com enigmas. O prefeito oferecera um cargo no departamento de contabilidade para o orgulhoso lavrador pai da criança, o delegado procurou-o afirmando o imperativo de encontrar um escrivão a altura do cargo, o pároco lembrou a importância da formação eclesiástica da criança, todos arrastando o pai para conversas particulares e privando-o das muitas doses que desfrutava em gratuita honra à saúde do filho. Disputava-se qual das famílias empobrecidas, mas de pomposo sobrenome, apadrinharia a criança, se o registro de nascimento seria feito no civil ou no religioso, protestantes nutriam esperança de que a criança não fosse batizada, o milagre anunciando a conversão de toda a cidade, ou a volta do Cristo, ou a partida de todos para outro mundo, ou a restauração do Reino, ou localização de imensa riqueza que um dia se acreditara oculta no leito do rio. O veio. Era certo que ninguém vira uma estrela a brilhar excessivamente no céu, um arbusto a arder, uma coluna de fumaça ou qualquer outra categoria da profecia? A criança nascera de fato daquele ventre, sem qualquer possibilidade de ter sido encontrada no rio sobre um cesta? Discutia-se pelas ruas a alimentação da mãe durante a gestação, se o pai ingerira feijões raros há cerca de um ano, desenterravam-se histórias dos antigos índios gigantes que habitavam a região — o bebê se parecia com o pai? Cada visita, se vencesse a série de controles familiares, era admitida por poucos instantes na presença do bebê gigante, e aproveitava o momento boquiaberto para apreender algum detalhe inédito que ofereceria aos muitos que o cercariam quando deixasse a casa. Quanto leite mamava um bebê daquele tamanho, e quanto cagava, geraram todo tipo de especulação: Era verdade que o prefeito oferecera a nata do gado leiteiro de sua propriedade para garantir a alimentação do bebê? Os pais se incomodariam de vender as fezes do menino gigante para adubar a terra? E que tamanho de pano usava como fralda? E onde haviam encontrado mamadeiras adequadas? O milagre avizinhado melhor cabia nas categorias do fantástico.”